Nome de lugares: ainda
lugares sem nome.
1. Se
o nordeste do Brasil é sertão, sua lógica é a do deserto, provavelmente pensou
o Barão ao tentar que lá camelos dessem certo. Gonçalves Dias etnólogo saiu de
Fortaleza em uma corcova, logo quase um rabo de foguete. Além do cantil, na
bagagem Die Braut von Messina, de Friedrich
Schiller, livro traduzido em pausas de meio-dia. Hora sem sombra lhe ensina
hora da morte, das aparições, insinua um bárbaro grego mudo. O corpo de Dias,
dolorido pela geologia, arde na falta de areia. A Comissão das Borboletas segue
para o mapa da falência. O poeta, acusado de negligência, caiu do camelo. O
animal pela pata quebrada foi sacrificado. Funda-se uma comunidade.
2. Wolverine
caminha seguro pelas noites do Pirambu via Marvel. Em outra topografia, ele
passearia pela rua São Serafim, Leste-Oeste a direita. Lá, 1986, veria o
episódio do homem ao telefone público, o pai sem rosto, incluindo a bola
cortada e o jogo interrompido. Seria rebatizado por Volver, Volvin ou Rewolver. Às escondidas:
férias
sem lâminas,
garras
e prestobarba.
restos
de retirante em farda de ginásio.
homens
em pele de camelo, ambulantes,
vagam
em busca do polegar do camarada
nova
partitura para acidente de trabalho
não
apenas Volvin, Burle Max
e
um vira-lata chamado Rex,
ocupam
hoje o que um dia foi um jardim.
de
torso nu, cruza a rua, reclamando o dedo
com
palavras de Cristo, de Marx,
do
homem ao telefone público
e
do pequeno vendedor de garrafas
em
segredo
Uma das punições para Gonçalves Dias
foi a de ser nome de rua sem asfalto, de esgoto a céu aberto, conhecida apenas
por Gongon. Se alguém dissesse: Ja, diese Hallen selbst bespritzte Blut,
traduziriam em três versões por chame a
polícia, saia daqui ou esconda esta câmera.
3. “Balançou,
não deu certo, não! Pois não passou de ilusão.../ Eles trouxeram o balanço do
deserto/ Mas o gingado não deu certo/ Pra cruzar o nosso chão”, diz o coro-comédia
da Leopoldinese, na Sapucaí. Um carnaval secreto estava na tradução de
Schiller, na comunidade fundada a sangue de camelo, na Comissão das Borboletas:
sobras da expedição de Gonçalves, no tum-tum
do terreiro, do coração. Na conta de Volvin
na bodega, a ser pago em dólar, pela Marvel. Em uma vesga recherche há algo de Balbec em um Pirambu. No cachorro perdido, no nome
árabe de uma avó e no homem anônimo, esfaqueado, em um dedo-duro, ainda sussurrando
suas verdades no telefone público.
[com as vozes de Zilma e Sérgio]
poema de Eduardo Jorge.
porque talvez, mesmo sem crença ou motivo,
a gente deveria voltar.
grande dudu, é uma felicidade ler este seu poema, poderia não, mas é!
ResponderExcluir"A cabeça da Medusa representa o medo, mas não é o medo em si. Portanto, pode-se chegar a um sistema de representações que, de algum modo, torne possível percorrer o real, escavando os sinais dos caminhos e das veredas ali onde, antes de tudo, se apresentava como um deserto, como uma paisagem morta de pedra". Franco Rella.
abraço enorme, em deserto. Davi.