sábado, 20 de abril de 2013

'esse animal não quer saber de nada',












Nome de lugares: ainda lugares sem nome.  


     1. Se o nordeste do Brasil é sertão, sua lógica é a do deserto, provavelmente pensou o Barão ao tentar que lá camelos dessem certo. Gonçalves Dias etnólogo saiu de Fortaleza em uma corcova, logo quase um rabo de foguete. Além do cantil, na bagagem Die Braut von Messina, de Friedrich Schiller, livro traduzido em pausas de meio-dia. Hora sem sombra lhe ensina hora da morte, das aparições, insinua um bárbaro grego mudo. O corpo de Dias, dolorido pela geologia, arde na falta de areia. A Comissão das Borboletas segue para o mapa da falência. O poeta, acusado de negligência, caiu do camelo. O animal pela pata quebrada foi sacrificado. Funda-se uma comunidade.

     2. Wolverine caminha seguro pelas noites do Pirambu via Marvel. Em outra topografia, ele passearia pela rua São Serafim, Leste-Oeste a direita. Lá, 1986, veria o episódio do homem ao telefone público, o pai sem rosto, incluindo a bola cortada e o jogo interrompido. Seria rebatizado por Volver, Volvin ou Rewolver. Às escondidas:

férias sem lâminas,
garras e prestobarba.
restos de retirante em farda de ginásio.
homens em pele de camelo, ambulantes,
vagam em busca do polegar do camarada
nova partitura para acidente de trabalho
não apenas Volvin, Burle Max
e um vira-lata chamado Rex,
ocupam hoje o que um dia foi um jardim.
de torso nu, cruza a rua, reclamando o dedo
com palavras de Cristo, de Marx,
do homem ao telefone público
e do pequeno vendedor de garrafas
em segredo

Uma das punições para Gonçalves Dias foi a de ser nome de rua sem asfalto, de esgoto a céu aberto, conhecida apenas por Gongon. Se alguém dissesse: Ja, diese Hallen selbst bespritzte Blut, traduziriam em três versões por chame a polícia, saia daqui ou esconda esta câmera.

     3. “Balançou, não deu certo, não! Pois não passou de ilusão.../ Eles trouxeram o balanço do deserto/ Mas o gingado não deu certo/ Pra cruzar o nosso chão”, diz o coro-comédia da Leopoldinese, na Sapucaí. Um carnaval secreto estava na tradução de Schiller, na comunidade fundada a sangue de camelo, na Comissão das Borboletas: sobras da expedição de Gonçalves, no tum-tum do terreiro, do coração. Na conta de Volvin na bodega, a ser pago em dólar, pela Marvel. Em uma vesga recherche há algo de Balbec em um Pirambu. No cachorro perdido, no nome árabe de uma avó e no homem anônimo, esfaqueado, em um dedo-duro, ainda sussurrando suas verdades no telefone público.

[com as vozes de Zilma e Sérgio]  

poema de Eduardo Jorge.
porque talvez, mesmo sem crença ou motivo, a gente deveria voltar. 

Um comentário:

  1. grande dudu, é uma felicidade ler este seu poema, poderia não, mas é!
    "A cabeça da Medusa representa o medo, mas não é o medo em si. Portanto, pode-se chegar a um sistema de representações que, de algum modo, torne possível percorrer o real, escavando os sinais dos caminhos e das veredas ali onde, antes de tudo, se apresentava como um deserto, como uma paisagem morta de pedra". Franco Rella.

    abraço enorme, em deserto. Davi.

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