ninguém
sempre
assim. todos os anos, estupidez e fingimento, nessa ordem quase exata e monstruosa. a mesma pergunta enferrujada na
boca, nos dentes. sabe onde fica? o pior é que se ela
pudesse morreria agora mesmo, toda branca e nua, sobre os meus calcanhares
enviesados. remorso algum. morreria bem no meio da minha frase, atravessada bem
no meio da frase que elaborei por tanto tempo, por tantas vidas. esta demora.
os braços espalmados no chão, o rosto crespo, obsceno e as notas do dinheiro
limpo, a pulseira de acrílico colorida, um vestígio de ferro velho na garganta,
sabe onde fica? é sempre assim, todos
os anos, estupidez e fingimento, a mesma conversa batida e mastigada muitas
vezes com o chiclete vencido, os dentes pretos, a boca toda preta. disse que existe
um peixe do tipo ferrugem, anisotremus
virginicus, e que o peixe se parece com ela. anisotremus virginicus, repete e engasga com o limo
preto que escorre do céu da boca. ela também mente. exibe o estojo novo de
maquiagem, a pinça com pontinha dourada, se
a gente não toma cuidado, mata. não sabe, né? claro, não sabe
onde fica nada
Júlia Studart
[um poema antigo, perdido em algum lugar, que reaparece agora junto com uma foto ainda em Lisboa. melhor título, nesse tempo com Fernando Pessoa, impossível]
a mesma boa pinça de ponta dourada em outro bom poema.
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