sexta-feira, 1 de junho de 2012

um poeta não se faz com versos, é o risco


Torquato Neto, 15/9/1971
ALMONDEGÁRIO

1. Ponha a boca no mundo: assim não é possível. Ou então feche o riso e aperte os dentes de uma vez. Ponha a boca no mundo: somente assim é possível, louca, qualquer coisa louca de uma vez.
2. Qual
quer?
3. Atenção para o refrão: tudo é perigoso, etc. Atenção para o refrão: tudo é divino, maravilhoso. Atenção para o refrão: atenção para o samba exaltação. Atenção.
4. Meu amigo preferido não me quer ferido pelo chão. Meu amigo mais incrível nunca foi possível em minha mão. Minha amiga mais maluca funde a cuca só pra me dizer que não. Minha amiga mais bonita é meu irmão.
5. Torno a repetir: ai, ai, ai. Torno a repetir, meu amor, ai, ai, ai. Onde é que você mora, em que cidade escondida, em que muda, qual tijuca? Lá também quero morar.
6. Qual
quer?
7. Quero porque quero este baião, baião de dois, feijão com arroz, pão seco de cada dia, negra solidão. Quero porque quero esse baião, corado, fresco e bem machão; coragem, peito, coração.
8. Ponha a boca no mundo.
9. Eu não.
10. Todo dia é dia, tora hora é hora: quem samba fica. Quem não samba vai-se embora. E mais: todo dia menos dias mais dia é dia D.


[Depois de uma boa conversa com o Jorge Viveiros, ontem, lembrei desse texto do Torquato Neto, que é possível remeter ainda a estes trechinhos do Agamben: "o ser qual-quer estabelece uma relação original com o desejo" e "só a ideia desta modalidade emergente, deste maneirismo original do ser, permite encontrar uma passagem entre a ontologia e a ética"] 

2 comentários:

  1. Havia dito para sua analista: “parece que se eu deixar meus impulsos correrem soltos... tenho receio de onde a coisa vai parar”. A analista deitou e rolou com isso. Depois, na semana seguinte, ele cruzou as pernas e, com os olhos vagos, começou bem assim: “eu não sei mais onde enfiar o meu desejo”. E a analista encerrou a sessão ali mesmo.

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