domingo, 25 de março de 2012

Diário do Nordeste, dois

Diário do Nordeste, Caderno 3, 25.03.2012
.A linha instável do poema.


Na dança, Júlia Studart encontra referência para definir a tarefa da poesia. "É preciso criar um pouco mais de resistência. Sim, está posto, poesia não vende, mas a tarefa é outra: criar circuitos muito mais potentes e semoventes entre amigos poetas e leitores de poesia, dar corpo à poesia, mesmo que esta ação seja mínima e silenciosa, como dançarinos de Butoh".
A poeta conta que sempre gostou de poesia, embora não tenha sido uma criança que lesse muito. Nas memórias, lembranças dos pequenos cadernos de poemas escritos pela mãe. "Lembro que costumava roubar versos dela para escrever cartas para os namorados. Nem sei se ela sabe disso", recorda. O pai era um bom leitor de revistas de notícia e biografias. Tem lembranças de alguns poemas publicados em um caderno literário do colégio. "E não eram bons, obviamente", diz.
Em 2006, Júlia foi convidada para escrever um poema a partir do trabalho da artista visual Milena Travassos. O poema seria publicado em uma plaqueta chamada "Marcoaurélio!". Ela considera o trabalho um segundo flerte com a poesia. Fez com Milena outro trabalho chamado "Sonata", com um poema em prosa em catálogo de arte.
"Quase todos os meus poemas aparecem dessa colisão do meu olhar com a imagem. Ou seja, meu trabalho só se sustenta nesse contato, estabelecendo uma espécie de duo com outros sistemas de pensamento. ´[in-] ludo´, por exemplo, este poema publicado aqui, é um lugar imaginado e alucinado a partir do trabalho de um artista gráfico que gosto muito. Enfim, quando não estou lendo ou vendo nada - porque ler é ver - não consigo pensar em escrever um poema".
Júlia ainda é uma poeta inédita em livro. Diz estar com dificuldade de terminar o primeiro, por sempre achar que pode ser melhor do que está. Mas já teve poemas publicados em revistas, antologias e suplementos literários. "Mas continuo sendo uma poeta sem um único livro de poemas e acredito que há uma dignidade nisso", diz Júlia complementando que quer terminá-lo e publicá-lo ainda nesse ano. "É um desejo intenso. Talvez o que tem me inquietado mais nos últimos meses, embora não esteja efetivamente trabalhando nele agora. Enfim, acredito que saber a hora certa é ter o corpo todo voltado e tomado por isso, é viver um pouco essa inquietação com o poema, com a linha instável do poema. É quando talvez você desconfie que há alguma potência no que você faz. Talvez esta seja a hora", diz a poeta que já tem o convite e a editora para fazer o livro.
Júlia já morou em Curitiba, Florianópolis e Lisboa. Atualmente vive no Rio de Janeiro, mas diz que as cidades, como cartografias urbanas ou composições de pequenas cenas, não a interessam muito. "Gosto muito do que diz o Gonçalo M. Tavares, autor que investiguei no meu doutorado, que não se pode mais fazer livros ingênuos. E essa parece a nossa tarefa e urgência agora nesses tempos tão duros. Acho que a tarefa é um pouco maior, trazer um pensamento com nervo para a literatura, um pouco de lucidez e muita imaginação".
A poeta explica que o Rio a coloca em confronto não só com uma maior produção de poesia, mas também com um intenso circuito da arte que passa por lá e que é importante para a sua poesia. "Talvez outra vantagem esteja no maior número de pequenas editoras interessadas na publicação de poesia, mas acredito que essa resistência e persistência também apareça em outros lugares, em maior ou menor grau", pontua.

A poeta
Júlia Studart nasceu em Fortaleza, 1979. Poeta, publicou os livros de ensaios "Wittgenstein & Will Eisner - se numa cidade suas formas de vida" e "Livro Segredo e Infâmia"; a plaqueta "Marcoaurélio!" com a artista Milena Travassos; e organizou "Conversas, diferença n.1 - ensaios de literatura etc".

[por Dalviane Pires]
http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=1119011


[in-] ludo

você não tem certeza
agora, mas o fato é
quando você diz
sim, quando você
aceita entrar e
já não tem mais
volta. a decisão
provoca, em quase
todos os casos, um
tipo de confusão
visual

ilusões de distância
e profundidade. e
nem a carta
topográfica mais
detalhada que
leva na mão como
último trunfo pode
salvar sua vida

aqui debaixo
consegue contar
vinte e cinco soldados
de chumbo em volta
de uma clarabóia
central, dois soldados
observam você entre
a escada principal
inclinada e o pátio
externo de um possível
terceiro ou quarto piso

eles estão muito
perto, mas você não
sabe muito bem. ilusão
de distância, ou
dedução errada do
seu inconsciente. mas
você parece não
enxergar agora, e
desconfia – você tem
quase certeza – toda
geometria ou mapa
enganam facilmente, e
isto não é apenas um
episódio, um futurama
ou leeuwarden com
suas fábricas de chumbo
e instrumentos musicais

2 comentários:

  1. Muito bonito todo a conversa e o poema. Você sempre muito atenta. Parabéns.

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  2. gostei do seu poema silencioso.

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