terça-feira, 25 de outubro de 2011

a invenção do monstro [poema],

Revista (Lado 7, n. 2, outubro de 2011 [Editora 7Letras]

a invenção do monstro
por manoel ricardo de lima

um
posso inventar agora, e
mentir, porque não há
outra anedota que possa
contar depositado em duas
pernas bambas, este corpo
magro e tão pequeno, esta
espécie de veneno tão
difícil de provar, meu azado
amor, meu próprio bem, o
ombro sempre dói e posso
voltar agora, mentir de
novo, porque são os 
dedos que se debatem ao
incorporar algo do acervo
da tipografia do arco do
cego, a impressão régia de
lisboa, em dezembro, 1801 
[1801 quando se proibiu
em portugal a circulação
do ensaio sobre o homem, de
alexander pope, as viagens
de gulliver, de jonathan swift
e a viagem sentimental, de
laurence sterne, tudo para
matar o monstro]

dois
mas não, não é possível
errar. está escrito na
testa, na parede quebrada
e no espelho todas as vezes
em que miramos a testa, num
pasmo, e o que está escrito
nela: não, não é possível
errar, nem assim com
a transparência insensata
de um corpo estúpido e
distraído das coisas
apenas porque – de uma
vez por todas – existimos
sem guardar nenhum
segredo com uma vontade
imensa de viajar no
tempo. a invenção definitiva
da máquina enciclopédica para
acabar o tempo, quando é
necessário coragem para
aguentar a porrada, a dor e
sabe-se lá alguma maneira ou
algum sopapo, sim, isto
é, algum solavanco, isto é
simples: a verdade, a
espera, o monstro esquivo
morto várias vezes porque
aprendeu a mentir

três
e tudo se torce, ao lado, bem
ao lado, porque moramos
todos em new york, porque
new york é logo ali, e é, bem
ali, bem ali assim, porque
não sabemos ainda quando
o próximo avião pode
romper a janela da cozinha
enquanto fazemos um
esforço grelhado com
alcaparras, o meu desejo
verde e amargo, este, não
sei, eu já disse, mas também
agora tanto faz, sei que morri
com este animal doente e podre
no meio da barriga, vazando
pelo umbigo, porque moramos
todos em new york, porque
new york é logo ali, como a
vida, molinha, fácil, rica e
desqualificada, porque ainda
não sabemos quando uma bala
errante pode romper a janela
da sala e explodir com a tv de
plasma e lançar pus e sangue
de mentirinha sobre o feltro
do tapete – todos podem
rir com força, mas eu posso
morrer outra vez


Revista (Lado 7http://www.7letras.com.br/lado7.html

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