quarta-feira, 6 de abril de 2011

Quatro poetas, lugar nenhum

Revista Inteligência [Rio de Janeiro, Abril/2011]

Ludwig Binswanger escreve a Freud em 1921 acerca do estado de um paciente raro internado em sua clínica e declara que não é possível fazê-lo voltar a exercer suas atividades de pesquisa naquele momento. Anota nessa carta que é uma pena que seu paciente não possa “voltar a fazer uso de seu gigantesco patrimônio de conhecimentos e de sua imensa biblioteca”. O paciente é Aby Warburg, que sofria de depressão e variações de esquizofrenia. Lembrem: Warburg refaz todo o pensamento em torno da imagem no começo do século XX e, na clínica, como lugar de tensão e afeto, oferece aos outros pacientes a sua célebre conferência intitulada “O ritual da serpente”. Internado, Warburg escreve no p.s. de uma carta aos diretores da clínica que sua doença é a perda da capacidade de conectar as coisas com suas mais simples relações causais, tanto as coisas do espírito como as coisas supostamente concretas.

É talvez essa imprecisão da linguagem que está posta em xeque, como proposta, às quatro poetas que ora apresento nesta edição de Inteligência: Annita Costa Malufe, Júlia Studart, Marília Garcia e Valeska de Aguirre. A provocação é tomar o senso do lugar, como um afecção, e, ao mesmo tempo, como interrogativa para conectá-lo a um suposto possível: o poema como um campo sem limites para a experiência da imaginação. Uma proposição entre borda e borda, entre eixo e beira, beira e móbil ininterrupto, para reler esse tempo agora com toda a sua imprecisão imanente. Tempo que não comporta mais a figuração moderna do labirinto, nem muito menos a figuração do lugar como uma representação da crise das utopias. Mas, com Aby Warburg, esticar a temporalidade da imagem à sua própria subtração [o que vai de Plínio, o Velho, até Didi-Huberman, sempre numa perspectiva do “anachronisme”] e à sua transparência, modulação, falta etc. Mais ou menos com aquilo que a letra provoca, disse Lacan: “um furo na borda do saber.”

É importante que quatro poemas de quatro poetas tão diferentes se deem a ver assim, como um furo de pensamento em seus próprios bons trabalhos, o de cada uma delas e no de cada outra. Ao mesmo tempo, também, considero importante que a armadilha da proposição – dando voltas sobre uma ideia de lugar – lance esses poemas para mais perto de um além do moderno, mais perto de uma luta política das imagens. Penso nos trabalhos dessas 4 poetas como uma linha desestabilizada, como um território desfeito continuamente, um território tenso e afetivo que se desfaz todas as vezes em que vai se ajustar a algo; trabalhos que têm como projeto, me parece, cutucar a conexão das coisas com suas relações mais simples e dar a elas a insegurança da imaginação. Assim, lembro a bonita imagem de uma das personagens do documentário de Alexandre Veras feito para o DOCTV, intitulado Vilas Volantes – o verbo contra o vento: quando um velho pescador da região norte do Ceará, próximo a Jericoacoara, a câmera em suas costas, aponta para as dunas que não param de se mover e diz que ali, naquele ponto, onde antes havia uma cidadezinha, as dunas vieram com tanta fome e força que comeram tudo, tudo, que “não ficou nem o lugar”. E Isso é apenas um convite para a leitura desses quatro poemas, um convite para conhecer algo do trabalho dessas quatro poetas.

Manoel Ricardo de Lima
 
Leia aqui os poemas: http://www.insightnet.com.br/inteligencia/52/PDFs/10.pdf

Um comentário:

  1. a gente temina de ler e esfrega os olhos tentando ver melhor. e além.

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