segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

2 poemas de antonio bandeira,


A mansarda [1]

A mansarda, refúgio dos homens e de ratos, purifica a gente.
Com mais de 1.600 pecados sou capaz de gritar que sou puro.

Vontade de oferecer flores à prostituta e escutar a
música do cego.

Ouvir a luz que ilumina as garrafas.

Às vezes a gente fica louco como um pesadelo. Os
miolos não saem da cabeça, o corpo fica peso pelos ossos,
e quatro paredes que vêm andando torturam como prisão.

Natal
Os vinténs que não compram nada enforcados no barbante.
Cultivei batatas inglesas no teto com a umidade do in-
verno.
Uma brecha de sol às vezes.

Encontrei minha avó arrodeada de ouro no Marché aux
Puces e a pendurei na parede cor de rosa da mansarda.
Nesse tempo ela estava com seis anos;

Quem pode adivinhar se as escadas sobem para o céu ou
descem para o inferno.


A mansarda [2]

Repouso da grande jornada e descoberta da mansarda

A mansarda, refúgio dos homens e dos ratos, purifica a
gente. Com mais de 1.600 pecados sou capaz de gritar que
sou puro.

Remorso com o mundo e um desejo de ser bom

Vontade de oferecer flores à prostituta e escutar a
música do cego.

Hospitalidade com amor ou sem
Dorme-dorme nenenzinho sem nacionalidade

O poder imaginativo
Na inhaca da mansarda às vezes os pincéis têm cheiro
de flores.

Um estado de pureza que vem vindo

Ouvir a luz que ilumina as garrafas.

A simplicidade
O ovo da quitanda gerado em ilustração para o poema
do amigo.

Concepção de arte
A mansarda pariu um projeto para qualquer coisa no mundo.

Antonio Bandeira [1922-1967] é um dos pintores mais singulares
da modernidade brasileira. Esses 2 poemas interessantíssimos e quase
desconhecidos fazem parte de um projeto que tem a ver com "dizer
a pintura" e "pintar o dito" ou a queda definitiva no prosaico.

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