domingo, 18 de março de 2012

Diário do Nordeste, um

Diário do Nordeste, Caderno 3, 18.03.2012
.O Chamado da linguagem.

A curiosidade individual transformou o menino "leitor voraz" em um poeta. Filho único, Carlos Augusto Lima recebeu dos pais o que chama de "estímulo da leitura abandonada". "Fui o sujeito leitor dos meus pais, que não eram grandes leitores. Mas eles viam na leitura algo muito positivo e me estimulavam a ler", recorda Carlos Augusto em uma conversa sobre influências literárias e criação artística.

Lia de tudo um pouco. Em um processo natural, passou pela literatura infanto-juvenil, mergulhou nas histórias em quadrinhos, leu o que a escola indicou - muitas vezes sem vontade - e sempre tratou a leitura como um ato solitário, pensamento que o acompanha até hoje.
A intimidade com os livros levou Carlos Augusto Lima a cursar Letras, mas antes mesmo de entrar na faculdade já rabiscava pensamentos e se apropriava de leituras "descobertas" pelo desejo de procurar, mexer, pensar. No curso, percebeu quem nem todos os colegas estavam familiarizados com os autores que lia, despertando, de certa forma, uma "ideia de sofrimento" pela ausência de um diálogo mais fluente sobre literatura e sobre poesia.
A alternativa encontrada por Carlos Augusto foi buscar esse diálogo fora dos muros da universidade, com outros jovens escritores interessados em discutir e produzir literatura, como o amigo e parceiro Manoel Ricardo de Lima.
Carlos Augusto sempre foi muito atento à poesia contemporânea "de gente viva", como ele destaca. Bebeu com muita sede na fonte da poesia brasileira da década de 70 e 80. Gostava da poesias Concreta e marginal. Flertou com escritores modernistas e fez um recorte da poesia americana da década de 20.
Nomes como Paulo Leminski, Ana Cristina Cesar, Cacaso, Francisco Alvim, José Paulo Paes, Régis Bonvicino e Duda Machado fizeram - e ainda fazem - parte do repertório literário de Carlos Augusto. Ainda é próximo dos poemas de Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto. Sempre preferiu a poesia, apesar do interesse por outros gêneros.
O poeta busca na memória o tempo que em precisou "matar" os autores que o influenciavam para dar personalidade aos próprios escritos. "Tenho uma autocrítica forte sobre o que mostrar. Conheço bem o cesto de lixo e como funciona a tecla delete", brinca Carlos Augusto complementando que "escrever é a soma de uma série de experiências e de leituras".
A criação
A poesia de Carlos Augusto não nasce de um esforço criativo. Não costuma sentar diante de um computador com a missão de produzir. "É necessário esperar o chamado das palavras. E é intermitente o chamado da linguagem", diz Carlos Augusto que define seu método de produção poética como "caótico".
Para Carlos Augusto quem escreve está em choque constante com a vida. E é justamente na vida comum que ele diz encontrar material poético para suas obras, sempre curtas, algumas chamadas de plaquetes. Prefere pensar "projetos de ações poéticas" a livros. "Escrevo e depois vou analisar o que funciona. Não existe pressa", pontua.
A trava do mercado
Sobre a produção versus consumo de poesia no Brasil, Carlos Augusto diz considerar uma relação tensa que tem a ver com a formação de leitores, que têm nas narrativas uma leitura mais familiar. "Escrever poesia é um ato solitário", afirma. "Muitas vezes o autor precisa bancar o livro, distribuir. Poesia não vende, não serve para nada e serve para tudo", diz parafraseando outro escritor.
Para além das dificuldades comuns de um poeta, Carlos Augusto diz que a cena literária cearense perde por não viabilizar a formação de uma crítica realmente preparada, o que consequentemente acaba enfraquecendo o que é produzido no Estado. "O que o sujeito pensa? Sinto falta da troca de ideias em relação a arte, da troca de pensamentos, até mais do que do compartilhamento do que é produzido", finaliza. 
[por Dalviane Pires]
http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=1116338


Bibliografia 
Objetos (Alpharrabio, 2008)
Vinte e sete de janeiro (Lumme Editor, 2008)
Manual de Acrobacia n.1 (Editora da Casa, 2010)
Três poemas do lugar (La Barca Editora, 2011)
O livro da espera (Alpharrabio, 2011) 

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