terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

malvinas, raúl antelo


Pela reabertura das negociações e pela paz no Atlântico Sul


A iminente comemoração dos trinta anos da guerra das Malvinas vem provocando uma série de ações e avaliações inéditas. Exercícios bélicos britânicos que não desdenham armamento nuclear; novas explorações de petróleo na região, que se somam à pesca predatória já empreendida por países como Japão, cujos efeitos, aliás, sentem-se em nossas mesas, dia a dia, com o sumiço de variedades outrora freqüentes. No entanto, a cobertura corriqueira da mídia insiste no caráter anormal das declarações do governo argentino, tirando relevância, ou mesmo naturalizando, a presença do Príncipe, em roupas de combate, no arquipélago. Estaríamos, nos dizem, frente a um clássico exemplo de contradições políticas em torno a uma soberania inconteste, questão à qual não é sensato dedicar nem tempo nem reflexão. Mas é possível qualificar o diferendo de Malvinas de contradição lógica? Mesmo Kant e, na sua esteira, filósofos como Galvano Della Volpe, partindo da diferenciação estabelecida pelo antecessor alemão entre a contradição lógica, que é sempre uma contradição entre conceitos, e a oposição real, entre os objetos do mundo, que é sempre uma disputa de poder, chegaram à certeza de que o antagonismo não pode ser uma contradição, simplesmente porque a contradição não pode acontecer entre objetos lógicos. A filosofia hegeliana, banalizada hoje pela mídia, torna os antagonismos sociais meras contradições, porque opera com um pensamento idealista que reduz a realidade a conceitos, quando o caso Malvinas nos ilustra, pelo contrário, algo mais importante ainda: que os antagonismos sociais não são contradições, nem oposições reais. Antes pelo contrário, são o limite de toda objetividade, o contorno do que significa acatar a lei social universal e, portanto, iluminam também o instante em que a sociedade descobre sua própria impossibilidade de constituir-se como ordem objetiva necessária.
Apesar de todas as exortações das Nações Unidas, a recusa britânica em sentar-se à mesa de negociações representa esse limite que o universalismo idealista, também conhecido como colonialismo, decide ignorar: as condições históricas de uma produção simbólica — o fato de o Atlântico Sul ter sido, tradicionalmente, uma área de paz, e assim precisa ser mantido — condições que são uma parte da produção histórica ela mesma.
Em plena I Grande Guerra, e em Buenos Aires, então comemorando seu primeiro Centenário de independência, Rui Barbosa constatava uma regra da modernidade ocidental, qual seja, a de que cresce, com efeito, a convicção de que os povos mais civilizados são os que mais lutam e investem em armamento, colaborando com o pensamento dominante no sentido de apresentar a guerra como uma divindade que sagra e purifica os estados. A recente fábula cinematográfica da Baronesa Thatcher vê nela uma mulher indomável, como se isso fosse uma vitória do gender. Contra o risco de que o ideal do estado se corrompa no ideal do dinheiro, ou diante da impossibilidade de ocultar essa inegável conivência, a única alternativa possível residiria na guerra. Portanto, a guerra, dizia Rui Barbosa em 1916, é um dos fatores essenciais da moralidade ocidental, uma vez que, graças a ela, a ética passa a se separar completamente da vontade, porque aquele que primeiro usar a força, sem medir o sangue derramado, terá sempre consigo, inexoravelmente, grande vantagem sobre o adversário.
Mas, cabe ainda sermos neutrais? Não se trata apenas de ser neutral, como Rui propunha aos países do Atlântico Sul em 1916. Trata-se, pelo contrário, de que os grandes acatem a lei e se sentem à mesa de negociações para garantirem a paz. Caso contrário, nunca terão sido mais válidas as palavras de Harold Pinter, em War: “The dead are dirt / The lights go out / The dead are dust”. Aprendamos da poeira do tempo.
Pela imediata reabertura das negociações e pela paz na região.

[Raúl Antelo, fevereiro, 2012]

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