quinta-feira, 16 de setembro de 2010

visitantes,

15 de setembro, Fundação Hassis, Florianópolis

Digressão anotada às pressas, 8 vezes, num fundo de série e silêncio para Raquel Stolf [trecho]

por Manoel Ricardo de Lima

1] Conheci a Raquel Stolf em Porto Alegre, agosto do ano 2000, quando fui lançar um trabalho com a Elida Tessler, no Torreão, intitulado Falas Inacabadas – objetos e um poema, e ela veio depois, apresentada pelo Edson Sousa, me mostrar timidamente um de seus livros-objeto. Gostei daquilo: era uma espécie de livro em silêncio que ela me deixou nas mãos, exemplar único.
Comecei ali a entender que a Raquel Stolf parte de outro problema para o seu trabalho com artes visuais, que é a questão do poema no mundo agora.
Não sei se conhecem, por exemplo, um trabalho dela chamado de lista de coisas brancas - coisas que podem ser, que parecem ou que eram brancas. Conhecem? A minha versão é de 2002, quando editava uma revista em Fortaleza, chamada Afinidades Eletivas, e Raquel enviou a lista para o número 9, que nunca saiu. A revista encerrou-se no número 8. Bom, vou ler um trecho da minha versão, sei que há versões mais recentes dessa lista, mas ainda teimo comigo que esta versão que disponho tem um pouco mais de força e síntese da idéia inteira e redunda menos.

[...]

4] O trabalho de Raquel Stolf com o poema está, me parece, em um lugar a que ela mesma chama de investigação. E investigar tem a ver com seguir vestígios, pistas; com observar e procurar descobrir minúcias até armar a proposição de um método, mesmo que vertiginoso e alucinado; construção de um pensamento. Esse trabalho exposto aqui, intitulado de Fundo do mar sob ruído de fundo [3 silêncios para Reverón], é uma investigação em torno do trabalho do pintor venezuelano Armando Reverón [1889-1954], como conversa contínua, daquilo que ele toma como movente para sua pintura: as inferências da intensa luz tropical sobre a forma, principalmente a nudez da mulher e a paisagem natural do litoral central da Venezuela, que fica ao norte da capital, Caracas: o mar e seus contornos. Um traço de luz e cor e, ao mesmo tempo, de ausência de luz e cor, em superfícies de sonho, silêncio e rumor incessante. As pinturas de figurações do mar remetem a uma superfície deserta e a uma perspectiva de profundidade desta mesma linha de mar, porém com fúria.
Lembro que para Gilles Deleuze, o mar é um arquétipo de todas as estriagens do espaço liso, e como tal uma estriagem do deserto e uma potência de desterritorialização, um espaço nômade para cumprir o nomadismo do espaço, um espaço aberto.

5] A insistência da série como captura do poema numa imagem provida para o silêncio e seus fundos de rumor, a do mar entre superfície sem fundo e fundo sem superfície, que Raquel anota como “pesca de silêncios”, remete a alguns indicativos da investigação que aparecem nas notas-desenhos que, por sua vez, acompanham o vídeo e rearmam o trabalho como uma série. Essas notas-desenhos, ou poemas caligráficos, são também modos de operação do trabalho entre a paisagem natural, a paisagem técnica e as sugestões de posição do corpo numa linha tensa com o espaço e com o tempo. Ela anota e imagina as suas listas: gráficos de tempo [perdido, passando, que não passa, que passa, boiando, afundando], gráficos de espaço [superfície, borda, margem, fundo], gráficos de silêncio com fundos de ruído e fundos de silêncio numa circularidade elíptica [ruidoso, deserto, turvo, mastigação, onda de costas, respiração lenta, vulto de vento, motor de barco branco, grãos de areia batem na câmera, um pouco de falta de ar], depois o mar como deserto [liso, estriado, superfície, ermo, taciturno, soturno, vertical-fundo, sem horizonte] e uma variação de tipologias ficcionais [entre invenção e imaginação] para o que se vê no vídeo [fundinho, fundo médio, fundo misto-médio, começo do + fundo, superfície do fundo, fundo da superfície, sem fundo, sem superfície]. É o vídeo, como suporte para a composição da série junto aos poemas caligráficos, que recupera a pintura de Reverón [o vídeo é também o que se ouve, o vídeo é também o que se vê: algo leve, com luz breve] e que apresenta a turvação instantânea da imagem como um fundo temporal do futuro: envolvendo, abrumando e esparramando o espaço de uma paisagem sonora técnico-natural entre a ternura e a dúvida proposta pelo crivo das anotações nos poemas caligráficos.

[...]

P.S. Assim, me parece, o trabalho de Raquel Stolf toma-se como potência de crivo [o que vaza pelos furos, o ponto furo da imagem] ou turvação da imagem quando arma uma linha de beira entre a pintura e o poema como ambivalência: tanto um quanto o outro porque [precisamente] nem um nem outro: invenção, imaginação, ainda e, como ela mesmo anota, “instantes de felicidade”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário