terça-feira, 21 de abril de 2009

livro,

Meu Amor, o quarto livro de Beatriz Bracher
por Manoel Ricardo de Lima

Jornal do Brasil, caderno Idéias, 18.04.09

A expressão “meu amor” está colada a um senso e um uso comum, e parece servir para quase tudo. Do que ela aparentemente diz de fato – a tentativa de tomar posse de alguém a quem se diz amar ou um carinho que afaga o mais duro coração do homem –, até servir como um costume irônico para dizer o seu contrário, quando muitas vezes vem no diminutivo. E entre estes usos há ainda uma sorte de outras variações do sentido, que sustentam nossos desatinos e fissuras desbaratadas. E nada mais antigo como tema ou assunto, talvez a viagem ou o desejo da viagem que jamais podem ser desvinculados da necessidade amorosa.
Ao tomar como pressuposto mais uma vez este desalinho em seu quarto livro, intitulado não menos que Meu Amor (editora 34), Beatriz Bracher move como se uma faca no estômago um tema que está – como passeio e pressuposto – no seu trabalho desde o primeiro livro, Azul e Dura (7Letras, 2002). Depois ela publicou Não Falei e Antonio (editora 34, 2004 e 2007), livros que também, de uma forma ou de outra, dizem da travessia de certa posição da vida e das coisas no mundo agora, depois do trauma da história, do esfacelamento das histórias cotidianas, sejam públicas ou domésticas, e do quanto este esfacelamento nos tomou a todos de assalto com o comezinho e o cadinho inútil da impaciência, da falta da conversa, do absoluto da opinião, do corpo esburacado, dos ajustes de ocasião etc.
Assim, este Meu Amor, de Beatriz, que parece ampliar a sua experiência com a narrativa (é a primeira vez que ela trabalha com a narrativa curta, o conto, seus outros livros são romances), é uma estocada firme no mínimo das coisas que dizem respeito a ninguém, como no pequeno conto Ele gostava de Maria que termina dizendo: “Maria tentava se matar, uma, duas, muitas vezes. E não ligava para avisar onde estava. Cada vez que ela não ligava, ele entrava em pânico. Todos procuravam, e Maria voltava. Ele gostava de Maria porque ela voltava e porque ela não pedia desculpas.”
E o livro segue dividido em alguns conjuntos ou séries numeradas, de 1 a 7, e coisas como (apenas para dar exemplos) as narrativas intituladas Raza, Davi, Duas Fotografias sobre o natural ou Chove e o dinheiro do marido e o poema-narrativa final intitulado My Love (e dedicado à mãe) são pontos culminantes de um trabalho que, ao lado de Nuno Ramos, Evandro Affonso Ferreira e Wilson Bueno ou, de outra maneira, ao lado de Veronica Stigger, algo de Joca Reiners Terron e o livro único de Jorge Viveiros de Castro, também como exemplos, diz de um plano possível para que se possa sair desta pouca diabrura com o rabo da palavra na prosa feita no Brasil. Esta prosa miúda que se martiriza entre a periferia, a violência urbana, a pouca invenção e os achaques com as coisinhas da moda e seus balangandãs.
O trabalho de Beatriz Bracher, ao contrário, tem a ver com afeto, com a curva insana da linha profunda que afeta e que ao afetar sufoca, como queria Max Martins, por exemplo, com a linha do seu verso. Uma linha que ao afetar quebra no meio e nas pontas esta noção descabida que as coisas podem ser medidas. Não, meu amor, meu amorzinho, as coisas talvez não tenham medida alguma.

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